sábado, 3 de abril de 2010

MURAL

Celestino Mudaulane é um escultor e um estudioso da História Social. Nos seus trabalhos de escultura utiliza o barro como matéria prima e as suas peças são de grande escala. Celestino cria figuras antropomórficas que, de um modo mais ou menos recôndito,  podem evocar alguma tradição escultórica maconde sendo que as figuras do Celestino são desfigurações urbanas ou de uma forma mais universal são desfigurações da condição humana. Estas desfigurações aparecem com as figuras contorcidas, meio bestas, meio humanas. Estas peças embora se apresentem como obras individuais fazem parte de séries e não importa muito saber se estas figuras são realistas, ficcionadas, ou sonhadas. São excessivas estas figuras.

Como é sabido não se conhece nenhum género de arte barroca que se tenha imposto em África, nem tão pouco parece que este género artístico tenha influenciado no seu tempo as artes africanas. Este género da sumptuosidade, do catolicismo da contra-reforma e dos Impérios ricos da Europa nunca fez escola em África. E no entanto, com todas as cautelas que é necessário ter nesta afirmação, há algo de barroquizante nas esculturas do Celestino, do barroquizante pelo lado das torções e das curvas infinitas e do peso da estatuária, neste caso muito ligada à terra.

O Celestno Mudaulane começou a desenhar de uma forma disciplinada e constante por via da necessidade. Convidado há uns anos para expor em Lisboa viu-se confrontado com a impossibilidade de transportar as suas esculturas dadas as dimensões das mesmas e o peso que inviabilizariam o transporte da obra. O Celestino começou então a desenhar a negro sobre folhas brancas que colava, umas às outras formando grandes painéis que chegavam a ter mais de três metros de lado por dois de altura. Neles Celestino começou a desenhar. Inesperadamente os desenhos não eram esboços das esculturas nem tão pouco imagens a duas dimensões das mesmas. Os desenhos passaram a ser episódios de uma vida urbana, narrativas curtas ficcionadas ou uma espécie de provérbios em forma de desenhos a negro e branco.

Do trabalho anterior de escultura, Celestino conserva neste novo material de trabalho a desfiguração mas agora, a par das linhas curvas, introduz as rectilíneas e as composições em xadrez. Ainda do ponto de vista da técnica utilizada destaca-se a grelha dos desenhos de texturas diferenciadas evocando alguma tapeçaria moçambicana e as combinações de círculos com linhas paralelas ou em ziguezague que dão aos desenhos uma configuração de tatuagem e de estrias físicas que mais uma vez nos remetem para a geometria das marcas de algumas culturas subsarianas.

Um dos aspectos mais fascinantes na obra actual do Celestino é que a mesma não é uma obra realista apesar de evocar situações realistas como "a cultura moçambicana", “nostalgia da guitarra", "tchova xita duma" títulos de trabalhos recentes, o que permite uma mediação da ordem do artístico e provoca uma recepção crítica mais atenciosa.

A última aventura de Celestino agora é a passagem do papel à parede, no projecto Casa Coimbra. Neste trabalho o artista vai com certeza conseguir conciliar a sua poética artística, o seu traço de autor, com a dimensão de agente social e de historiador. O muralismo é um arte de intervenção e ainda que os seus trabalhos venham a ser efémeros, a sua acção como artista de intervenção social no conceito mais sofisticado do termo não o será.


António Pinto Ribeiro
Fotografia/Photo: Filipe Branquinho

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