quinta-feira, 8 de abril de 2010

DINHEIRO/MONEY

A Filosofia do Dinheiro, Cabaças e outras ideias

O filósofo e sociólogo Alemão Georg Simmel viu o dinheiro como uma explicação para entender a complexidade da vida. Simmel pensava que pessoas criavam valor ao produzir coisas, separando-se delas, e também tentando depois distanciar-se destas duas situações. Coisas que estão perto demais não são consideradas valiosas e coisas que estão demasiado longe para as pessoas as possuírem também não. Mas há outros factores que determinam o valor, como a escassez, o tempo, o sacrifício, e as dificuldades envolvidas em obter o objecto.

Gemuce é um artista multi-média de Maputo, Moçambique. Treinado em Kiev durante o regime socialista Soviético, a sua prática junta as raízes Africanas com as imagens revolucionárias e as metáforas da Europa de Leste. A sua experiência na antiga União Soviética, iniciada na guerra fria e, mais tarde, com o alvorecer da Perestroika, deu forma à sua aproximação política e artística, trata-se de um artista treinado numa tradição de arte propagandista, que desde então tem sido transformada num interesse pelo paradoxo e pela dicotomia.
 O que liga os vários elementos do trabalho recente de Gemuce são as noções de intercâmbio de valores materiais e não-materiais, investigando o dinheiro e outras formas de troca. A escrita de Simmel pode-nos ajudar a destacar esta dicotomia. O simples facto de o dinheiro tornar possível limitar uma transacção a um gesto – diz – ajuda aumentar a liberdade pessoal e promove a diferenciação social. Onde quer que o nexo do dinheiro penetre, dissolve as ligações baseadas nos laços de sangue, de parentesco ou de lealdade.
Num projecto recente com a Deveron Arts em Huntly no norte oriental da Escócia, Gemuce montou o Calabash Bank (Banco Cabaça), um banco de ideias, não de dinheiro. As cabaças transformaram-se em moeda, as ideias em produto. Gemuce escolheu a cabaça como um símbolo Africano abundante, de fácil acesso e talvez até com pouco valor de troca. Contudo, é também algo que pode ser considerado exótico pelos Europeus, em termos estéticos e utilitários. O artista montou um banco com centenas de cabaças e trocou-as por ideias, um produto raro num mundo que gira rapidamente e que nos dá pouco tempo para a reflexão. Tudo isto durante a quadra Natalícia, quando as preocupações das pessoas se dividem entre a doação, o tempo com família e o “bom comportamento” por um lado, e as compras, gastar dinheiro e “gozar a vida”por outro. Em espaços de compras e doação, como o comboio especial para os compradores que se deslocavam a Aberdeen, num Sábado de Dezembro, a loja da caridade Cruz Vermelha local, o supermercado ou o banco, Gemuce interrogou pessoas sobre seus padrões de despesas e o seu relacionamento com a doação. Em retorno pelas ideias novas, os clientes recebiam um cartão de crédito Cabaça, que poderia ser trocado por uma cabaça verdadeira na abertura oficial do banco.
Outros dos projectos que Gemuce tem executado são as séries de esculturas. Carrinhos de corrida intitulados Corrida de Preconceitos vestidos com roupa interior masculina de marca sugerem um relacionamento subtil mas complexo entre, por um lado o naive e o jogo de crianças , por outro o mundo da moda e a cultura de consumo “macho”.
Prioridade de Passagem é a escultura imensa, de um homem barrigudo, bem alimentado, com moedas coladas sobre seu corpo. Mostrado no 'show-room' de um fabricante de carros Japonês, este homem feito de forma quase cruel – parte de um tríptico (ele é acompanhado por um peixe de papel e um porco) presencia as vendas dos carros brilhantes em Maputo.
Na Filosofia do Dinheiro, Simmel defende que a troca económica é uma forma de interacção social. Quando as transacções monetárias começaram a substituir outras formas de troca, ocorreram mudanças importantes na forma de interacção entre as pessoas. O dinheiro tem a qualidade da divisão exacta e permite quantificação de equivalentes. É impessoal de uma maneira que os objectos de troca nunca poderão ser. Assim, ajuda a promover cálculo racional em relacionamentos humanos e promove a racionalização que caracteriza a sociedade moderna. Quando o dinheiro se transforma na ligação predominante entre pessoas, diz o autor, ele substitui laços pessoais, manifestados em sentimentos aleatórios, por relações impessoais que são limitadas a um uso específico. Consequentemente, o cálculo abstracto invade áreas da vida social como as relações de família ou o reino da apreciação estética, que eram previamente do domínio da consideração qualitativa mais do que quantitativa.
O dinheiro no mundo moderno é mais do que um padrão de valor e do que um meio de troca. Superior às suas funções económicas, simboliza e personifica o espírito moderno de racionalidade, de calculismo, de impessoalidade. O dinheiro nivela diferenças qualitativas entre coisas, bem como entre pessoas. Para Simmel é o mecanismo que pavimenta o caminho de Gemeinschaft a Gesellschaft, de comunidade a sociedade. Sob sua tutela, o espírito moderno do cálculo e a abstracção prevaleceram sobre uma visão mais velha do mundo que atribuísse a superioridade a sentimentos e imaginação.
O trabalho escultórico e performativo de Gemuce pode ser visto como uma tentativa de tornar esta afirmação visual. Em Maputo o artista sugere haver uma rápida transferência dos valores passados das pessoas, manifestados em parentescos e costumes, para outros valores de troca introduzidos por influências capitalistas ocidentais. Em Huntly, tenta convencer as pessoas a pensarem nos seus valores reais através da troca de ideias por um fruto de trepadeira. Um conjunto de pensamentos que nos levam da comunidade para a sociedade e de volta (embora numa experiência curta) à possibilidade de comunidade.

Claudia Zeiske
Março 2010

Fotografia/Photo: Filipe Branquinho

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